Opinião e Análise

Ana Frazão

Muito se comentou na semana passada sobre a <a href="https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0dlj3nl1xwo">entrevista de Joseph Stiglitz à BBC News Brasil</a>, publicada sob o título “Esquerda gere melhor economia e Lula está certo sobre juros”.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Para o Prêmio Nobel de Economia, os governos de centro-esquerda tornaram-se melhores gestores da economia do que os de direita no século 21. Mesmo tendo herdado uma situação econômica crítica – marcada por pandemia, inflação, restrições fiscais e desaceleração da economia – podem ser bem sucedidos na esfera econômica se tiverem foco na prosperidade compartilhada, isto é, em um crescimento inclusivo, que beneficie igualmente os pobres.
No que diz respeito à atual disputa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, Stiglitz dá razão ao primeiro, destacando o enorme custo das altas taxas de juros, que restringem a oferta de crédito, estrangulam as empresas brasileiras e esfriam e enfraquecem a economia como um todo. Dentre as afirmações de Stiglitz na entrevista, de alto alcance prático para os problemas que estamos enfrentando no Brasil, estão as de que:
<ul>
<li>as metas de inflação são “tiradas do nada”, sem amparo em nenhuma teoria econômica ou experiência econômica;</li>
<li>a solução de elevar taxas de juros é inapropriada no atual contexto e pode inclusive exacerbar pressões inflacionárias, na medida em que torna o investimento mais difícil;</li>
<li>pesquisa teórica mais recente mostra que, em momentos de rápido ajuste da economia e mudanças estruturais, como o que estamos vivendo, uma taxa de inflação mais alta pode facilitar o ajuste, de forma que a performance econômica em geral será melhor se a taxa de inflação for ligeiramente mais alta; e</li>
<li>é preciso uma coordenação entre as políticas fiscal e monetária, razão pela qual a independência do Banco Central não pode ser vista como algo absoluto ou sagrado.</li>
</ul>
Para além das discussões econômicas trazidas na interessante entrevista, as palavras de Stiglitz acabaram colocando luzes na discussão sobre quem gere melhor a economia, deixando aflorar a inevitável pergunta: é possível realmente afirmar que governos de esquerda se saem melhor na economia do que os de direita?
É claro que se trata de pergunta capciosa pois, para ser respondida, é necessário definir inicialmente o que pode ser considerado uma boa gestão econômica. No entanto, apesar das dificuldades, responder a tal pergunta, pelo menos no contexto norte-americano, foi o que pretenderam fazer os economistas de Princeton Alan Blinder e Mark Watson, ao realizarem um cotejo entre a gestão econômica dos republicanos – de direita – e dos democratas – mais voltados para a esquerda – durante quase 90 anos.
No estudo “Presidents and the US Economy: An Econometric Exploration”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, os autores chegam à conclusão de que não apenas existe uma diferença de desempenho em favor dos democratas como essa diferença é surpreendentemente grande. Além do PIB, todos os demais indicadores importantes da economia, como emprego, renda, produtividade e até mesmo o preço de ações, revelam que os democratas foram melhores do que os republicanos nos 90 anos analisados. Daí a conclusão central da análise:
<blockquote class="jota-article__citation">“First, and most robust, there is a systematic and large gap between the US economy’s performance when a Democrat is president of the United States versus when a Republican is. Democrats do better on almost every criterion. Using real GDP growth over the full sample, the gap is 1.79 percentage points, which is stunningly large relative to the sample mean. The partisan growth advantage is correlated with Democratic control of the White House, not with Democratic control of Congress".</blockquote>
Vale ressaltar que os próprios autores são muito cautelosos nas explicações sobre as razões de tanta diferença, apontando que fatores exógenos podem ter sido determinantes para tais resultados e que ainda há muito mistério para ser descoberto:
<blockquote class="jota-article__citation">“It seems we must look instead to several variables that are less closely tied to US economic policy. Specifically, Democratic presidents have experienced, on average, better oil shocks than Republicans (some of which may have been induced by foreign policy), faster growth of defense spending (if the Korean War is included), and a better record of productivity shocks (which may relate to many different policies). More tenuously, both in terms of sample size and statistical significance, Democratic presidents may have also benefited from stronger growth abroad.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">These factors together explain up to 56 percent of the D-R growth gap in the full sample, and as much as 69 percent over shorter (post-1963) samples. The rest remains, for now, a mystery of the still mostly unexplored continent. The word “research,” taken literally, means search again. We invite other researchers to do so".</blockquote>
Entretanto, ainda que com todos os cuidados, é forçoso concluir que a análise de Blinder e Watson no mínimo coloca em xeque a narrativa de que os governos de direita são melhores na gestão econômica.
A mesma postura de cautela precisa ser adotada quando se busca fazer comparações equivalentes no caso brasileiro. Não é sem razão que muito se discute a verdadeira razão do sucesso econômico dos primeiros governos de Lula, havendo quem entenda que os fatores exógenos foram primordiais, enquanto outros defendem que o principal fator foi a eficiência da política econômica empregada no período, como é o caso do robusto estudo do IREE capitaneado por Juliane Furno<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Aliás, para quem tiver interesse em uma explicação mais sintética das conclusões da análise, vale conferir o episódio do podcast Direito e Economia em que entrevisto a autora<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Entretanto, parece-me que a questão principal aqui não é propriamente saber quem gere melhor a economia – se a direita ou a esquerda – mas sim os pressupostos gerais que devem conduzir as políticas econômicas de um país, independentemente de quem esteja no poder.
Nesse sentido, é preocupante que, como já apontei em artigo anterior<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, exista a compreensão de que a economia seja uma ciência exata e, mais ainda, a narrativa de que governos de direita dominam melhor o ferramental econômico. Mais grave ainda é a insistência na ideia de que haveria um tradeoff necessário entre o econômico e o social, como se redução de desigualdade não pudesse contribuir para o próprio crescimento econômico. Daí a preocupação de Stiglitz com o que chama de prosperidade inclusiva.
Ademais, há evidências de que os economistas mainstream, muitos dos quais identificados com discursos de direita, especialmente os relacionados ao livre mercado, são exatamente os mais ideológicos. Apesar de defenderem a economia como uma ciência objetiva e positiva, são eles que, por ironia, mais negligenciam as evidências contrárias aos pressupostos teóricos com que foram formados<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Por todas essas razões, acredito que as maiores contribuições de provocações como a de Stiglitz e de Blinder e Watson não dizem respeito propriamente a conclusões em favor da esquerda ou da direta, mas sim ao convite para uma reflexão mais abrangente e profunda sobre os pressupostos fundamentais do debate econômico na atualidade.
O primeiro pressuposto é o de que a economia não é ciência exata e, mais do que isso, é dotada de extrema complexidade, uma vez que os fenômenos econômicos são conjunturais e decorrentes de um número considerável de fatores extremamente dinâmicos. Daí por que é impossível encontrar fórmulas ou relações lineares de causalidade que possam ser traduzidas como leis imutáveis.
O segundo pressuposto é o de que, apesar das narrativas que procuram valorizar os economistas e os governos vinculados à direita, em detrimento da esquerda, os primeiros estão longe de deter o monopólio da verdade e da eficiência da gestão econômica. Pelo contrário, em muitos casos, é o seu excesso de ideologia, sua ânsia de simplificação e a sua dificuldade de lidar com evidências contrárias aos seus modelos teóricos que os impedem de vislumbrar políticas econômicas mais adequadas e eficientes.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0dlj3nl1xwo
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/aer.20140913.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://iree.org.br/wp-content/uploads/2022/09/Diagnostico-e-saidas-para-a-economia-brasileira.pdf">https://iree.org.br/wp-content/uploads/2022/09/Diagnostico-e-saidas-para-a-economia-brasileira.pdf</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="https://open.spotify.com/episode/6jhuHdBne2Am1TMkCdprLf">https://open.spotify.com/episode/6jhuHdBne2Am1TMkCdprLf</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> O assunto foi tratado na coluna <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/a-middle-out-economics-do-governo-biden-22022023">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/a-middle-out-economics-do-governo-biden-22022023</a>
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> O assunto foi tratado na coluna <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economistas-e-o-mito-da-neutralidade-da-economia-16112022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economistas-e-o-mito-da-neutralidade-da-economia-16112022</a>

banco central

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JOTA

Uma reflexão a partir da entrevista recente de Joseph Stiglitz e do trabalho de Blinder e Watson

Governos de esquerda vão melhor na economia?

Uma reflexão a partir da entrevista recente de Joseph Stiglitz, sobre a gestão dos governos de esquerda e do trabalho de Blinder e Watson.